O pilar que sustenta o ego é a ideia de ‘eu’ e ‘meu’

Mensagem de 4 de setembro 2014

Pergunta: Você pode falar sobre a atitude “é do meu jeito ou nada feito”? Quais os aspectos que fazem uma pessoa tão “cabeçuda”?

Prem Baba: O pilar que sustenta o ego é a ideia de ‘eu’ e ‘meu’. Essa é a raiz do sonho. Identificada com o ego a entidade passa a sonhar – às vezes um sonho bom, às vezes ruim. Mas, não importa a natureza do sonho, irremediavelmente ele acaba lançando a entidade no vale do sofrimento. E se inevitavelmente esse sonho traz sofrimento, por que a entidade não desperta? Por que ela não abre os olhos? Por que ela não rompe com essa identificação?

Já me debrucei muitas vezes sobre esse tema, e foi possível compreender muitos aspectos que fazem a entidade manter identificada com o ego. Temos falado das relações de causa e efeito; dos sentimentos negados e suprimidos no sistema; temos falado da dor que não foi apropriadamente elaborada, mas isso tudo ainda não parece ser o principal motivo. Parece haver um motivo maior para que a destrutividade continue se manifestando à revelia da vontade consciente.

O que ocorre é que a entidade humana, o Eu consciente (o Arjuna interno), simplesmente adormece, e acaba atuando na destrutividade. E quando volta, muitas vezes você se arrepende, mas é algo que você não domina – você é pego pelo ciúme, pela inveja, pela vingança e pelo auto-ódio que sabotam as possibilidades de prosperidade e união. E quando passa essa onda e você volta para o centro, você se lembra da estupidez dessa reação. Às vezes você sente culpa (que é a natureza inferior voltando pela porta dos fundos) e começa a se maltratar novamente… Ou seja, você reconhece que existe uma destrutividade agindo através de você, que age através das matrizes psicológicas. Em geral é um protesto de onipotência, uma necessidade que as coisas sejam do seu jeito. Você quer que os seus caprichos sejam atendidos naquele exato momento, ou então não quer nada. Isso é sinônimo de dizer: “Eu não quero ser feliz”, ou ainda: “Quero ficar separado, isolado; quero ser rancoroso”.

O que faz a entidade permanecer atada a essa condição negativa; a essa obstinação em querer que as coisas sejam de uma determinada maneira, para defender um ponto de vista?

Nós sabemos que, dependendo do histórico da personalidade, existe uma criança ferida que foi rejeitada, abandonada e humilhada, e que tenta superar essa dor através desses protestos. Às vezes ela dá errado na vida com a intenção de provar para o mundo que foi injusto com ela. É uma forma de tentar que os pais mudem e façam diferente da próxima vez. Tem essa esperança mágica em fazer que as coisas mudem; um pacto de vingança.

Mas, ainda assim não parece ser só isso. Tem algo mais que faz com que a entidade humana sinta que o sofrimento é ruim, mas não consegue abrir mão dele. Ninguém quer sofrimento, mas ninguém abre mão dele. Por quê?

O que pude identificar como ponto central que sustenta a identificação é o casamento da corrente vital (da energia sexual) e o sofrimento. Essa é a razão pela qual o sofrimento permanece no mundo. É por isso que a destrutividade continua mesmo quando estamos conscientes de que é estúpida.

Observe um fenômeno natural da consciência: quando você está dormindo, tendo um pesadelo, embora tenha uma parte em você querendo acordar, ou seja, você quer se livrar daquele sonho ruim, mas não consegue porque existe um encantamento em relação a ele. Você fica encantado com o enredo da história. Existe um envolvimento em um nível muito profundo, você está envolvido energeticamente com essa história, ou seja, sua energia vital está comprometida com aquela cena.

Esse é um ponto difícil de ser compreendido. Vou trazer um exemplo cotidiano. Quando numa relação com um amigo ou com um amante, você rejeita ou é rejeitado. Você já amadureceu o suficiente para compreender que isso não te serve mais; já compreendeu que essa atitude é estúpida, mas ainda atua nessa estupidez.

Mas se continua indo fundo na auto-observação você chega à surpreendente conclusão de que existe prazer nessa atuação. Existe um prazer conectado à situação negativa. Existe um investimento de vitalidade nessa atuação destrutiva. E muitas vezes essa é a única maneira que a entidade consegue experimentar o prazer.

Muitas vezes o prazer na sua forma positiva é uma ameaça para a entidade, pois ela ameaça dissolver a identificação com o ego.

Portanto, esse prazer negativamente orientado sustenta a identificação com sua história pessoal. Ele é o combustível desse encantamento. O que faz você repetir, repetir e repetir um padrão negativo é um encantamento com a sua história. Esse encantamento se estabeleceu em algum momento da sua jornada, e o prazer se conectou com a destrutividade. Esse foi um momento no qual você precisou se amortecer para sobreviver, porque você foi impedido de ser você mesmo, ou seja, você foi reprimido na sua espontaneidade. Foi aí que o prazer se conectou com o ego e a máscara, e com todos os jogos que sustentam o status quo.

No processo de desidentificação da destrutividade, o primeiro estágio é a identificação do padrão negativo. Você está me trazendo um exemplo: você identificou que tem um padrão, ou um eu psicológico que diz: “Tem que ser do meu jeito”. Se continuar observando esse padrão, você verá que ele provavelmente está com você há bastante tempo. Verá que isso está trazendo destrutividade para você e para as pessoas ao seu redor. Então você pode até mesmo compreender que não há chance de ser feliz se continuar atuando dessa maneira.

Você poderá estudar muitos desdobramentos desse padrão, até chegar a conclusão de que isso é um sonho, mas para poder despertar desse sonho é muito importante que você consiga perceber o prazer que sente nele. É importante ver o quanto de energia vital foi investida para manter este padrão negativo. Para você, abrir mão desse prazer significa abrir mão do prazer, pois eles estão tão ligados que é quase impossível visualizar a possibilidade de abrir mão do padrão negativo e do prazer ao mesmo tempo.

Eu me lembro de um estudante que, ao identificar objetivamente um padrão negativo, ele falou: “Se eu abrir mão disso, eu morro”. Ele estava tão colado naquele padrão que não podia imaginar se livrar dele. Então, abrir mão do padrão negativo era o mesmo que abrir mão da vida.

Outro exemplo é bem comum: quando você se isola e se fecha se as coisas não são do jeito que você imaginava. Se estiver atento no estudo, você verá que tem tanta energia vital investida nesse isolamento que é quase como um orgasmo, pois essa é a forma que você encontra de sentir prazer.

Portanto, um passo fundamental para a desidentificação desse padrão negativo é você conseguir identificar o prazer investido nele. Primeiro identifique qual a situação negativa que se repete. Esse exemplo que você trouxe é bom, pois está claro que está se repetindo. Não importa em qual área, procure tentar chegar ao denominador comum, ou seja, no ponto que está provocando a repetição destrutiva. Vá atrás da voz dentro de você que diz: “Eu quero ficar isolado; eu quero do meu jeito ou não quero nada”. Ou ainda: “Eu quero fracassar”, ou ainda mais sério: “Eu quero ficar doente – eu quero morrer”. Vá atrás dessa voz e procure perceber o quanto de prazer está investido nisso.

Parece subjetivo, mas conforme você vai focalizando na observação isso vai se tornando concreto. Às vezes é o prazer de uma vingança, que é uma especificação do prazer negativamente orientado. De forma geral, quando falo desse prazer, estou falando do prazer no ódio e no medo, mas é possível sentir prazer sem isso.

É possível abrir mão do padrão negativo e ainda sentir prazer, mas esse é um prazer que talvez você ainda não conheça, portanto você se assusta. Esse é um universo desconhecido que te conecta com a sua inocência, a sua espontaneidade perdida – a sua liberdade perdida. Você se esqueceu deste caminho, e passou a acreditar que a máscara é a verdade, o que gera esse tão profundo paradoxo na alma humana que é um anseio pela liberdade e ao mesmo tempo medo dela. Você anseia pela liberdade, mas não quer abrir mão dessa história que criou. Você quer Deus, mas tem medo de perder seu ego. Porque essa foi a única forma que você encontrou de experienciar prazer. E o condicionamento é tão arraigado que você não pode nem mesmo pensar na possibilidade de que exista a chance de abrir mão da negatividade sem abrir mão do prazer.

Quando chega nesse estágio, cabe a você fazer uma pergunta: “Isso é tudo que eu sou?”; “Se eu abrir mão desse ‘eu’ que quer fazer tudo do seu jeito, o que sobra?”. Se puder fazer essa pergunta, você já estará criando um distanciamento; você estará voltando para o centro, observando de uma certa distância. Você começou a despertar do sonho. Se você pode observar esse aspecto e reconhecer que não é você, mas que está apenas atuando através de você, quer dizer que você está acordando porque você é a testemunha.

Mas, às vezes, você é tragado pelo eu psicológico que está dominando a mente naquele momento, então você cai no sonho. E é nesse sonho que está o sofrimento; é nesse sonho que está a destruição e a morte. Então, quando volta ao testemunhar, você sente fluir a canção do senhor. Você sente a vida: a união, prosperidade, saúde, alegria, paz… No estado acordado só existe vida.

De todos os estágios da desidentificação com a natureza inferior o mais difícil é identificar o prazer na atuação negativa. Mas, se estiver comprometido a ver, então você verá. Você se compromete dessa maneira quando já pode identificar esse padrão. Você já viu os desdobramentos e o impacto que essa condição negativa causa na sua vida e na vida das pessoas a sua volta, o que significa que você já quer largar esse padrão. Então, você poderá ver o que inconscientemente está te segurando nesse padrão; você pode encontrar o núcleo do apego.

O que estou fazendo até aqui é destrinchar o apego. Nós sabemos que em um determinado momento da jornada é Deus que te liberta desses apegos. O Eu divino dissolve os nós de apego. Em um instante de samadhi muitos apegos são desfeitos. Mas, existe um trabalho que cabe ao Eu consciente realizar; é uma preparação para que a Graça te visite.

É assim que nós vamos iluminando a obstinação. Porque apego e obstinação são desdobramentos da mesma coisa. Então, em algum momento a renúncia te visita, mas você precisa preparar a casa para isso. E você prepara a casa de duas maneiras: sadhana (prática espiritual) e autoconhecimento. Dentro do sadhana está o seva (serviço desinteressado), a meditação, o puja, as austeridades inteligentes e a sua oração. E o autoconhecimento é o processo de auto observação, de investigação de si mesmo. Esses dois aspectos do trabalho precisam andar juntos.

De forma geral, ainda tem muito prazer no sofrimento no planeta. Por que tem tanta guerra no mundo? Porque existe prazer nisso. Até pouco tempo, houve eventos nos quais as pessoas se matavam e gostavam de ver o sangue derramando. Essa memória ainda está muito presente nas nossas células.

É possível subir, mas para isso é preciso cortar os apegos à miséria e ao sofrimento. Mas, como fazer isso se você nem mesmo tem consciência dessa ligação?

Existe uma matemática psicológica; tudo é muito lógico. Para tomar a água que está no copo, eu preciso saber que ela está nele. Então vamos continuar o nosso estudo, pois é dessa forma que poderemos realizar a transformação.

Abençoado seja cada um de vocês. Que o amor e a sabedoria ilumine cada passo da sua jornada.

Até o nosso próximo encontro.

NAMASTE

http://www.sriprembaba.org/pt-br/satsang/040914